Por Ramón Villot Sánchez, Legal & Compliance Director
Entre a solidez de um marco normativo pioneiro e as críticas à sua excessiva burocracia
A regulação sobre proteção de dados e sua interação com a inteligência artificial (IA) se tornou um dos maiores desafios jurídicos do nosso tempo. A União Europeia, por meio do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), estabeleceu as bases de um marco normativo exigente, impondo obrigações rigorosas às organizações que desenvolvem ou utilizam tecnologias baseadas em IA.
O RGPD e o princípio de “privacidade desde a concepção”
Um dos pilares do RGPD é o princípio da “privacy by design”, que exige que a proteção de dados pessoais seja integrada desde as fases iniciais do design de qualquer sistema tecnológico. Isso significa que o tratamento de dados deve ser sempre realizado com o consentimento explícito do titular e sob rigorosas medidas de segurança. O não cumprimento dessas normas não é trivial: as sanções podem chegar a até 4% do faturamento global anual da empresa.
A Lei de Inteligência Artificial Europeia: Controle e Inovação
Desde 1º de agosto de 2024, a nova Lei de Inteligência Artificial da UE entrou em vigor com um objetivo claro: garantir que os sistemas de IA operem de forma ética, confiável e segura. Esta regulamentação adota uma abordagem baseada no risco, classificando as aplicações de IA de acordo com seu nível de impacto potencial e estabelecendo requisitos diferenciados para cada categoria. O desafio é ambicioso: proteger os direitos fundamentais sem frear a inovação tecnológica.
A visão do Comitê Europeu de Proteção de Dados (CEPD)
O Comitê Europeu de Proteção de Dados emitiu um parecer fundamental que aborda os principais desafios do tratamento de dados pessoais no contexto da IA, concentrando-se em três pontos críticos:
- Anonimização de dados: embora muitos modelos de IA aleguem tratar dados de forma anônima, o CEPD esclarece que essa condição só se aplica se o risco de reidentificação for insignificante.
- Interesse legítimo como base legal: invocar o interesse legítimo para justificar o tratamento de dados na IA requer uma avaliação cuidadosa, equilibrando esse interesse com direitos fundamentais como privacidade, liberdade de expressão e não discriminação.
- Licitude dos dados utilizados: quando o treinamento de um modelo de IA se baseia em dados obtidos sem consentimento ou de origem duvidosa, o CEPD recomenda a aplicação de técnicas de anonimização desde a fase inicial para minimizar os riscos legais.
Desafios reais, soluções responsáveis
As organizações que não gerenciam adequadamente os riscos associados à IA podem enfrentar sérias consequências jurídicas, especialmente se recorrerem a práticas como web scraping ou à aquisição de bases de dados de origem não verificada. Ao mesmo tempo, as autoridades europeias devem encontrar um equilíbrio entre proteger os direitos dos cidadãos e permitir um ambiente propício ao desenvolvimento tecnológico.
Nesse contexto, simplificar o marco normativo sem perder garantias será fundamental. O avanço da IA apresenta desafios que não podem ser resolvidos com rigidez regulatória, mas com marcos legais dinâmicos que promovam transparência, responsabilidade e educação tecnológica.
IA e privacidade: avançando sem comprometer direitos
A relação entre inteligência artificial e proteção de dados exige uma visão integral: é necessário garantir a segurança e privacidade das pessoas sem frear o progresso. A solução não passa por uma regulação excessiva, mas por fomentar a autorregulação responsável, o cumprimento ético e uma colaboração ativa entre legisladores, empresas e a sociedade civil. Só assim poderemos desbloquear todo o potencial da IA, construindo ao mesmo tempo uma base sólida de confiança e respeito pelos direitos fundamentais.